A imagem de um rolo compressor faz brilhar nos olhos da torcida
colorada a lembrança de um tempo em que o nosso time entrava em campo
unicamente para saber placar, pois a vitória era certa. Nesse tempo, a
escalação não narrada, mas declamada: Ivo, Alfeu e Nena, Assis,
Ávila e Abigail, Tesourinha, Russinho, Rui, Villalba e Carlitos. Tremiam os
adversários. E essa era só a base, qualquer outro que entrasse no lugar de um
desses craques era mais um músico na grande orquestra. Logo em seguida, este
time deu lugar a outro, tão temido quanto, que tinha na frente uma das maiores
duplas de ataque da história do futebol mundial. Larry, o Cerebral, e Bodinho
eram implacáveis naquele time que se eternizou como o Segundo Rolo. A partir
dali, e enquanto o Internacional manteve a memória da sua história, cada vez que um técnico mandava a campo um time com
poucos ou nenhum titular, este era carinhosamente chamado de Rolinho. Eis o
resumo da história da relação da expressão Rolo Compressor com o
Internacional.
Fazendo um salto
de algumas décadas, vemos que a imagem, tão cara ao povo colorado, do rolo
compressor, vem ganhando outra conotação. Hoje ao trazermos a expressão, muito
mais fácil associá-la à maneira como as questões internas do Internacional são
tratadas frente à política que se instalou na gestão do clube, que conta com
amplo apoio da base governista no Conselho Deliberativo. Ontem, o que se viu na
reunião extraordinária convocada por um grupo de conselheiros, em face da
inércia da Mesa Diretiva, foi um espetáculo deprimente. Vou fazer uma
brevíssima síntese dos fatos para que * leit*r entenda basicamente a forma de
agir do supremo comando colorado.
Aproximadamente a partir do meio do ano, começaram-se a discutir, no
âmbito do Conselho, os contratos de transmissão dos jogos do Internacional para
as próximas temporadas. Ou melhor, houve algumas tentativas de discutir o
assunto na instância deliberativa, de acordo com as normas
estatutárias, diga-se. Tentativas apenas, porque em duas ocasiões a ordem do
dia das sessões convocadas para este fim foi fraudada pela direção, que retirou
de pauta o tema. Na reunião do dia 26 de setembro, o presidente do clube afirmou
que não se poderia deliberar sobre o tema por conta de uma proposta da Rede Globo
que acabara de chegar à direção. Anteriormente, a administração fizera uma explanação
em plenário, tratando o contrato firmado com o Canal Esportivo Interativo para
os anos de 2019 e 2020 como uma verdadeira maravilha, colocando o Internacional
na vanguarda dos clubes brasileiros, protagonista do corajoso ato de romper com
o monopólio da Globo e dizendo que a partir dali se estabeleceriam novos
paradigmas nas negociações de venda de direitos de transmissão. Muitas
discussões se sobrepuseram, dentro e fora do Conselho, análises foram feitas,
teses foram criadas, tudo em vão, pois a Mesa do Conselho, que muitas vezes
parece agir sem a autonomia necessária, mas apenas como um braço da
direção, nunca impôs à gestão a prerrogativa daquela casa, que é deliberar
sobre os assuntos de interesse do clube.
Há alguns dias, o povo colorado foi surpreendido em uma entrevista
coletiva do presidente do clube, na qual ele afirmava ter assinado um grande
contrato com a Rede Globo (aquela que monopoliza de forma nefasta as
transmissões no país do futebol), recebendo um valor, que se convencionou chamar
de luvas, e logo se entenderá o motivo, a bagatela de 47 milhões de reais. Estabeleceu-se,
então, uma discussão, ao meu ver meramente semântica, em torno justamente
daquilo que a direção caracterizou como luvas contratuais. Se são luvas, segundo
o entendimento de alguns, não se caracteriza uma burla ao estatuto do
Internacional, que diz basicamente que não pode haver antecipação de receita de
gestões futuras sem que o contrato seja votado no Conselho Deliberativo. Foi
solicitada à Mesa do Conselho uma reunião extraordinária com a finalidade de
DELIBERAR sobre o assunto. Ora, deliberar significa discutir e VOTAR. A
presidência da Casa convocou a reunião, entretanto modificou a ordem do dia,
retirando o termo deliberar. Em 21 de outubro, uma sexta-feira, dia estranho para a
realização de uma sessão do Conselho, reuniram-se os conselheiros para um bate-papo “à
beira do fogo”, ocasião em que o Vice-Presidente de Administração explanou
sobre os contratos. A diferença é que desta vez o maravilhoso contrato com o
Esporte Interativo virou apenas balão de ensaio para um sensacional contrato
assinado com a Rede Globo. Discussões de natureza jurídica e argumentos
técnicos foram apresentados, tudo em vão, porque o tal contrato já estava assinado.
Durante a reunião, o plenário foi informado da convocação de uma reunião
extraordinária para o dia 31 de outubro, feita à revelia da Mesa, nos termos
estatutários, esta sim com o objetivo específico de discutir e VOTAR o contrato
com a Globo.
Chegamos, finalmente, ao palco do circo armado na noite de ontem.
Para começar a conversa, soube-se, pelo parecer do Conselho Fiscal, que a proposta aceita pela direção datava de
1º de julho. Ou seja, aquela conversa da reunião de 26 de setembro, que
trancava a discussão por conta de uma nova proposta recém chegada, era
falaciosa. Já havia alguns meses a proposta era analisada nos gabinetes diretivos
do clube, ao arrepio do órgão deliberativo. Houve fatos ainda piores, por
difícil que seja acreditar. O não comparecimento do presidente do clube a uma
reunião desta importância, por exemplo, escancara a arrogância e a falta de
comprometimento da gestão com as coisas do clube. O primeiro vice-presidente,
substituto natural do gestor, não obstante estivesse na Casa, talvez por não querer se expor aos questionamentos, candidato que é à presidência, delegou a função de
representar a gestão ao segundo vice-presidente. Em uma de suas manifestações o presidente do
clube em exercício, perguntado se já havia sido feito o depósito das tais
luvas e se o dinheiro já havia sido utilizado, disse que sim, que havia sido
paga uma dívida cuja inadimplência poderia, inclusive, provocar o rebaixamento
do Inter por uma norma da FIFA. Ou seja, não obstante todos os esforços que
parecem estar sendo envidados pela gestão para que o Inter passe por essa
situação lamentável de contar cada pontinho dentro do campo para fugir à
tragédia da série B, ainda evidencia-se a prática de gestão temerária, porque,
como colocado pela conselheira Najla Diniz ao microfone, havia uma dívida que poderia
trazer consequências terríveis, cujo pagamento foi feito com uma verba que
surgiu posteriormente. Isto é, caso não tivesse havido o adiantamento da Rede Globo, uma receita extraordinária, o INTERNACIONAL SERIA REBAIXADO EM
FUNÇÃO DE UMA DÍVIDA. Dívida essa que é com o jogador Luque, que poucas
vezes vestiu a camisa vermelha e ainda de forma a não deixar nenhuma saudade. Se isso não é gestão temerária, estamos diante do que, então?
Muito poderia ser dito sobre as discussões travadas na reunião,
mas o importante, agora, é descrever de forma sucinta como foi o processo de
votação. Não é preciso dizer que a deliberação sobre um assunto de tamanha
importância é da mais alta seriedade e todos os cuidados devem ser tomados para
que o processo de votação transcorra de forma totalmente clara e transparente.
O Presidente da Mesa, entretanto, parece não pensar desta forma. A votação foi
promovida no velho sistema do senta-levanta: “Aqueles que concordam permaneçam
como estão...”. Durante a contagem dos votos, o conselheiro César Schunemann
verificou que havia mais votos do que votantes, numa situação que, ao que se
sabe, não acontecia por aqui desde os tempos de Júlio de Castilhos e Borges de
Medeiros, quando até os mortos votavam. Depois se disse que houve um problema
no livro de assinaturas, com conselheiros que estavam na reunião, mas não
haviam assinado, enfim, desculpas acham-se para tudo no contexto atual do
Internacional.
Outro fato gravíssimo deu-se em relação ao Parecer do Conselho
Fiscal, que os conselheiros e conselheiras governistas seguidamente trazem à luz
para justificar suas decisões, muitas vezes descomprometidas com os verdadeiros interesses do clube. O documento sugeria a edição de uma Resolução a
fim de definir, por omissão do Estatuto, que pagamento de luvas é antecipação
de receitas e, portanto, os contratos em que houver esse sistema devem ser
submetidos previamente ao Conselho. Esta sugestão originalmente incluía o
contrato em análise. O que se aprovou, entretanto, foi que ela passa a valer a
partir de então. Algo mais ou menos assim: até o presente momento esta prática
foi certa, a partir de agora é errada.
Pior do que isso tudo, talvez, tenha sido o fato de ninguém além
da direção, o que inclui o Conselho Fiscal, nas palavras do seu presidente,
saber efetivamente dos 47 milhões. Não se sabe em que dia foi depositado nem em que conta, não
se comprova a sua utilização, não se sabe como ele integra a contabilidade do
clube, isto é, são 47 milhões que
salvaram o Inter do rebaixamento fora de campo, sobre os quais não se tem a
menor informação. Neste momento é importante destacar a presença na reunião do
responsável pela área de transparência do clube, que fez apenas uma breve
intervenção a respeito do rito de votação, mas nada disse sobre... a
transparência.
Assim, amig*s, a triste conclusão que chegamos é que mais uma vez
a patrola da direção passou pelo Conselho e a expressão Rolo Compressor, que
está na memória da torcida gravada pelos heróis que construíram a história do Clube do Povo, passou a ter outra conotação.
Fico pensando sobre o que eles dizem em casa...
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