BREVES NOTAS SOBRE O MACACO E O RACISMO - OU COMO SE DESCONTRÓI UMA MITOLOGIA

Conforme já foi dito e comprovado em textos anteriores, a crônica esportiva gaúcha é absolutamente omissa  quanto aos atos racistas praticados por uma grande parte da torcida gremista que vai aos estádios. Os jornalistas, radialistas e afins se valem de argumentos totalmente questionáveis para justificar a sua (falta) de posição. Vamos fazer um exame de alguns dos mais usados desses argumentos.

Mito nº 1 - "A torcida do Inter não considera racistas as manifestações de torcedores do Grêmio, pois canta 'ah, eu sou macaco"':

quando a torcida gremista entoa cânticos de cunho racista, como "chora macaco imundo", "olha a festa da macacada", entre outros, uma parte da torcida Colorada responde cantando "ah, eu sou macaco". Antes de mais nada, há uma grande diferença entre o comportamento das duas torcidas. A parcela da torcida gremista que adota essa postura racista é muito grande, conforme se pode facilmente constatar in loco ou pelas dezenas de vídeos disponíveis na internet. Ainda assim, seria equivocado dizer que toda a torcida gremista é racista. Por outro lado, o número de Colorados que reagem da maneira descrita é muitas vezes menor e não representa sequer uma parcela considerável da torcida do Inter. E estou falando apenas dos torcedores que frequentam os estádios. 

Mito nº 2 - "A torcida do Inter não considera racistas as manifestações de torcedores do Grêmio, pois há um ilustre Colorado que sempre vai aos jogos fantasiado de macaco":

a própria assertiva contém o elemento que a desqualifica, pois diz que há UM Colorado que se fantasia de macaco. Mesmo que ESTE torcedor não se importe com as ofensas, essa é a sua posição pessoal e de forma nenhuma seus atos podem inferir um comportamento padronizado da coletividade Colorada.

Mito nº 3 - "A torcida do Inter não considera racistas as manifestações de torcedores do Grêmio, pois a Camisa 12 utiliza um macaco como símbolo em suas bandeiras e camisetas":

vale a mesma constatação anterior, pois o comportamento de um determinado grupo não pode se prestar a refletir uma coletividade de milhões de pessoas. Ademais, na origem da adoção do uso da figura do macaco pela torcida organizada não se encontra um conteúdo preconceituoso, muito menos de aceitação dos ataques alheios. O macaco em questão simboliza a descomunal força da torcida Colorada, tal qual o célebre King-Kong, e não é nem de perto um macaco imundo, imagem utilizada pela torcida tricolor. Dizer que isso é um aceitação da ofensa e uma atenuação do preconceito é, no mínimo, uma afronta à inteligência de qualquer cidadão que tenha a mínima capacidade de refletir sobre as manifestações populares. 

Mito nº 4 - "A direção do Inter não considera racistas as manifestações de torcedores do Grêmio, pois institucionalizou o uso da figura de um macaco para representar o seu braço social:  

esta é uma questão um pouco mais complexa, cujo exame não prescinde de um rápido resgate histórico. Não entrarei em minúcias sobre o Saci, que é o verdadeiro e histórico mascote Colorado. Em 2009, a direção do Inter, que pertencia ao mesmo grupo político da atual gestão, entendeu por bem substituir o glorioso Saci por outro personagem, um macaquinho, que ganhou o nome de Escurinho em uma votação feita entre a torcida. Não me equivoquei ao dizer que a intenção da direção era substituir o Saci. Acontece que nós, do Inter de Todos, e esse mérito não nos posso sonegar, nos insurgimos contra isso e provocamos uma espécie de revolução entre a torcida, com mensagens para a imprensa, manifestações pelas redes sociais e etc. Resultou disso a adoção do macaquinho apenas como símbolo das ações sociais do Inter, funcionando como mascote ao lado e não em substituição ao Saci, que, a propósito,  foi, contra a nossa vontade, remodelado. A prova do que estou dizendo está neste blogue, em textos como: "Símbolos" (11/04/2010), "Cadê o Saci?" (21/04/2010), "Cadê o Saci??? - Continuação" (22/04/2010), "Alguns esclarecimentos" (24/04/2010), "A voz do povo em ZH" (24/04/2010), "Macaco com duas pernas e rabo preso" (26/02/2010), "O Saci apareceu" (27/04/2010), "Projeto Saci Colorado - sumiu também?" (02/05/2010), entre outros. Na época da controvérsia, o Sr. Jorge Avancini, diretor (ou vice-presidente) de marketing do Inter, em uma declaração absolutamente infeliz, disse que havia uma preocupação da direção com associações negativas feitas à imagem do Saci. Disse ele, entre outros absurdos, que o cachimbo poderia ser relacionado ao crack e a falta de uma perna lhe conferia um certo caráter de "perdedor", que poderia influenciar de forma indesejada as crianças. Nos textos citados e em outros nós repudiamos com veemência essas lamentáveis posições do Sr. Avancini. Hoje o macaco Escurinho representa o Inter Social e a sua figura está longe de ter qualquer conotação racista. Ele é, na verdade, um simpático boneco que pretende representar o aspecto lúdico do Clube do Povo, e se relaciona de fato com as crianças Coloradas. É, então, uma verdadeira atrocidade e um crime contra a infância usar esse personagem como uma justificativa de aceitação de preconceitos raciais e quem faz isso, principalmente os jornalistas e demais homens públicos, devem ser encaminhados às comissões de ética das suas instituições de classe.

A propósito de ética, reproduzo um trecho do Código de Ética do Jornalismo:

Art. 1º O Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros tem como base o direito fundamental do cidadão à informação, que abrange direito de informar, de ser informado e de ter acesso à informação. (...)

Art. 6º É dever do jornalista:

I - opor-se ao arbítrio, ao autoritarismo e à opressão, bem como defender os princípios expressos na Declaração Universal dos Direitos Humanos;

II - divulgar os fatos e as informações de interesse público; (...)

X - defender os princípios constitucionais e legais, base do estado democrático de direito;

XI- defender os direitos do cidadão, contribuindo para a promoção das garantias individuais e coletivas, em especial as das crianças, adolescentes, mulheres, idosos,negros e minorias; (...)

XIV- combater a prática de perseguição ou discriminação por motivos sociais, econômicos, políticos, religiosos, de gênero, raciais, de orientação sexual, condição física ou mental, ou de qualquer outra natureza.

Para finalizar e desmascarar de vez essa visão distorcida da mídia, transcrevo ao final alguns preceitos constitucionais e penais que determinam a ação imediata dos órgãos responsáveis tão logo tenham conhecimento das práticas de crimes de racismo e, para que fique bem claro, a despeito do que pretendem a direção do Grêmio e alguns setores da imprensa, os atos racistas praticados por uma boa parte da torcida tricolor que frequenta os estádio constituem sim CRIMES DE RACISMO, e estão longe de ser apenas manifestações bem-humoradas de alguns "meninos da geral", que devem ficar no plano do folclore do futebol. Por tudo isso, propugnamos ações imediatas no sentido de coibir essas odiosas práticas já a partir do próximo domingo.

Constituição Federal

Art. 3º - Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Art. 5º - Todos são iguais perante a lei (...)

XLII - a prática de racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei.

Lei n° 7.716, de 5 de janeiro de 1989

Art. 1° - Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação  ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência.

Art. 20 - Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.

Pena: reclusão de um a três anos e multa.

Com a palavra a imprensa, o Ministério Público e as demais autoridades.